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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

PENÉLOPE

a balbúrdia do dia:
sua secreta gaiola,
que lhe tecia Toda
em arestas de sonho e
sopro.
Fugaz,
seus dedos transmutam
a perplexidade das auréolas
e seu fim.
As mãos apenas,
sem estapafúrdio ou alarde,
acendem o rumorejo de sustos:
(já agora) fossilizados em
mutismo.

O MESTRE DO GROTESCO E DO ARABESCO

Poe, o crítico literário

Além de poeta e ficcionista, Edagr Alan Poe foi também crítico de literatura, desenvolvendo, nesse âmbito, alguns princípios teóricos que nortearam sua produção literária e que se inscrevem no espírito da poesia moderna.
Entre os textos de crítica, o mais célebre é a Filosofia da Composição, publicado em 1846, em que o autor explica como o poema O Corvo veio à luz, explicitando as estratégias discursivas que ele empregou durante a composição do texto, com o fim de conferir-lhe o efeito de espontaneidade e beleza.
Ao preconizar que o texto literário é fruto de um trabalho racional, que obedece a leis de criação específicas, Poe rompe com ideias, predominantes em sua época, acerca do processo de composição artística. No momento em que Poe escreve esse ensaio, o cenário literário estava impregnado pela noção romântica de gênio criador, que compõe à revelia da inspiração, entendida como uma faculdade de natureza sobrenatural ou divina que impulsiona a criação poética. Em consonância com essa ideia, predominava também a concepção kantiana, segundo a qual o gênio artístico é um dom, um talento inato ao poeta, que, ao criar, não se submete a nenhuma lei ou regra pré-determinada. Assim, seria impossível estabelecer, racionalmente, a gênese do processo criador, devido ao seu caráter fortuito e irregular.
Em A filosofia da composição, E. A. Poe demonstra o contrário. Segundo o autor d' O corvo, o texto literário obedece a uma organização racional dos elementos formais, arranjados de modo a conferir unidade ao texto. Além disso, segundo Poe, os efeitos de terror, beleza ou espontaneidade são premeditados pelo poeta que, para suscitá-los no momento da leitura, utiliza-se de recursos linguísticos e da organização formal do texto, que são cuidadosamente pensados à luz das expectativas do receptor da mensagem.
Assim, para Umberto Eco, ao defender essas ideias, Edgar Allan Poe reabilita a lição aristotélica esquecida pelos românticos, segundo a qual os episódios da trama narrativa devem estar de tal modo concatenados formal e semanticamente, que confiram unidade à intriga.
Se, por um lado, como defende Eco, o texto de Poe reabilita um cânone clássico, por outro, preconiza novos paradigamas que norteiam a chamada escrita moderna. Ao defender que a criação literária deve ser acompanhada de auto-reflexão, Edgar Allan Poe anuncia ideias de poetas como Mallarmé, Paul Valéry, ou mesmo, João Cabral de Melo Neto, que defendem que a escrita literária, realizada lúcida e criticamente, deve se esforçar por eliminar o fortuito e o acessório. As ideias de que os efeitos de sentido que o texto lietrário suscita no momento da leitura são resultado da combinação e organização de recursos formais, como o metro, o léxico, o ritmo, estão no cerne das reflexões sobre Teoria Literária do século XX (vide o formalismo russo, o conceito de Jakobson de funçaõ poética, etc).
Desse modo, as ideais que germinaram na obra de Poe e que foram, posteriormente revisadas e ampliadas pela escrita e pela teoria literária do século XX, revelam-nos que o processo de composição poética exige um trabalho reflexivo e crítico, a partir do qual o escritor converte-se em leitor de si mesmo.

O MESTRE DO ARABESCO E DO GRATESCO: 200 anos de Edgar Allan Poe

No ano de 2009, amantes de histórias que combinam elaboração formal e uma atmosfera de mistério e suspense celebram o bicentenário de vida daquele que é considerado "o pai do conto moderno", Edagar Allan Poe.
Nascido em 1809, em Boston, Poe possui uma biografia que, bem ao estilo dos poetas malditos, combina tragédias, vícios e genialidade. Filho de atores ambulantes, Poe fica órfão aos três anos de idade, passando a viver sob os cuidados de um tutor, o próspero comerciante de Richmond, John Allan, de quem adotou o sobrenome Allan.
Durante a infância, o poeta recebe uma educação consistente, ingressando na Universidade de Virgínia, aos dezoito anos. No entanto, devido ao envolvimento com o álcool e com o jogo, E. A. Poe abandona a vida universitária, tentando, posteriormente ingressar na Academia Militar, da qual é expulso por indisciplina.
Dividindo-se entre trabalhos como editor de revistas e a vida errática de alcoólatra e jogador compulsivo, Edgar Allan Poe publicou narrativas, poemas e ensaios, que lhe renderam o póstumo reconhecimento. Entre seus principais trabalhos, destacam-se os famosos "Contos do Grotesco e do Arabesco", "As aventuras de Arthur Gordom Pym", o ensasio "A filosofia da composição", no qual Poe explicita o processo de elaboração de seu mais célebre poema "O corvo".
Assim, mais de 150 anos após a sua morte, o mestre das narrativas de terror e suspense conserva o seu frescor e sua relevância como autor de uma obra original, cujas ressonâncias fazem-se sentir em muitos contornos assumidos pela escrita moderna.
Diante disso, eu gostaria de apresentar em um tom, que pretendo não-didático nem academicista, apresentar algumas facetas assumidas por Poe em sua obra, destacando a sua produção como crítico e pensador de Literatura e como "criador" do gênero conto na modernidade.